quinta-feira, 25 de julho de 2013

Os Gatilhos e Controlando as Fissuras de Beber



Por Marcus Vinícius Santos
Psicólogo

As fissuras de beber são normais quando paramos de beber no início; quase todo mundo que para de beber ocasionalmente pensa em começar de novo (deixando claro que se entende por fissura desejar, ansiar, querer ou ate mesmo simplesmente pensar em beber, mesmo que não tenha a intenção de fazê-lo). Não tem nenhum problema em pensar em beber, desde que não se aja em resposta as tais fissuras. Você pode se sentir culpado por causa das fissuras (mesmo que não tenha agido em resposta a elas). Entretanto é útil pensar nelas como um aviso de perigo e um sinal para se tomar uma atitude. A fissura é um sinal de que algo esta errado. No texto abaixo irei ensinar a identificar os tipos de situação ou eventos que podem inicia-las, os pensamentos que podem ser perigosos nessas situações e algumas maneiras de se segurar para não cometer um deslize. Às vezes as fissuras ou pensamentos são óbvios, mas ás vezes podem se aproximar de você quase sem serem notados. LEMBRE-SE SEMPRE – ALCOOLISMO É UMA DOENÇA TRAIÇOEIRA.

Quais são as situações comuns nas quais as pessoas tem fissura de voltar a beber?

1 – lembrar como era a vida – alguns dependentes de álcool em recuperação pensam na bebida como se fosse um amigo há muito tempo perdido. Por exemplo: “Eu me lembro de como me sentia quando pegava algumas cervejas e ia pescar”, “ o que é um réveillon sem uma bebida” ou “como era bom tomar uma geladinha”.

2 – Gatilhos Ambientais – Gatilhos associados à bebida são a maior fonte de fissuras e incluem a simples visão do álcool ou de um bar, ver pessoas bebendo, simples propagandas na TV e estímulos temporais, como um determinado momento do dia (happy hour) ou um determinado dia da semana (sexta-feira a noite, ou quarta-feira é dia do meu dominó). Ao sair de uma situação gatilho você ainda pode sentir fissuras por algum tempo.

3 – Crise ou Stress – Durante o stress ou a crise , um ex dependente de álcool pode dizer: “preciso de uma bebida agora. Quando tudo isso terminar paro de beber de novo”. A raiva é um gatilho muito comum do ato de beber

4 – Sentir-se desconfortável com o fato de estar sóbrio – Algumas pessoas acham que novos problemas aparecem porque estão sóbrias e desejam beber para acabar com esses novos problemas. Por exemplo: “tenho sido impaciente e ficado irritado com minha família. Talvez para mim seja importante ser um bom pai (mãe) e marido (esposa) do que parar de beber agora” ou “não tenho a menor graça quando não estou bebendo. Acho que não devo parar de beber agora, por que se fizer isso, as pessoas não gostarão tanto de mim”.

5 – Testar o Controle – Algumas vezes, após um período bem sucedido de sobriedade, os ex dependentes de álcool tornam-se excessivamente confiantes. Por exemplo: “ aposto que consigo tomar só um gole” ou “vamos ver se consigo deixar algumas cervejas na geladeira, só para os convidados, sem beber”

6 – Duvidas quanto a si mesmo – Você pode duvidar da sua capacidade de ter sucesso. Por exemplo: “eu simplesmente não tenho força de vontade” ou “já tentei parar varias vezes e nunca deu certo. Por que devo esperar que dessa vez vai dar certo?”.

7 – Tente Identificar seus próprios pensamentos negativos específicos e desculpas para beber. Quais os pensamentos sobre álcool que precederam o ultimo episodio de bebida depois de um período de sobriedade? Quais pensamentos sobre álcool parecem estar associados às fissuras mais frequentes e fortes para beber? Quais circunstancias , pessoas ou eventos que iniciaram as fissuras? FAÇA UM QUADRO COM OS TÍTULOS: Gatilhos, Pensamentos sobre beber, Sentimentos e Fissuras, comportamento

8 - Detecção de comportamentos e atitudes auto-destrutivas, ou prejudiciais em qualquer aspecto de sua vida pessoal, afetiva, social e laborativa,  com identificação dos instintos exacerbados que os motivaram.

9 - Detecção também de qualidades e potencialidades que todo ser humano tem, mas que o alcoólico por vezes não enxerga, mergulhado num mar de auto-piedade e baixa estima.

10 - Aceitação de seu passado como sendo coisa que pode ser lembrada, sem se sentir esmagado por culpas e vergonhas.

11 - Detecção dos gatilhos emocionais que o levavam a beber, tentando se lembrar do que estava sentindo ANTES de seus porres. Ajudam nesta honesta pesquisa de conhecimento interior, fazer-se perguntas do tipo com quem estava ou tinha estado, o que havia acontecido, quando, aonde, como, porquê, tentando identificar seus sentimentos antes de começar a beber e aí anotá-los para melhor reflexão.

 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A internação compulsória de dependentes químicos é eficaz?

          A questão do tema de internação compulsória vem sendo muito discutida nas mídias escrita e falada de todo o País, em razão das recentes iniciativas dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro em relação àqueles que buscam ajuda. Em São Paulo, foi assinado um termo de cooperação técnica, pelo qual se criou uma força-tarefa formada por profissionais de saúde, assistentes sociais, juízes, promotores de justiça, defensores e OAB, sediada no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod).
         A dependência química é um dos fenômenos de mais difícil resolução da humanidade. Se de um lado da moeda existe a droga, do outro estão a melhoria do sistema de ensino, o fortalecimento do papel familiar, a diminuição da pobreza, a inserção do dependente em atividades esportivas, lazer, trabalho, habitação, justiça e outros fatores. O tema deve ser discutido na perspectiva biopsicossocial; o tráfico, o fácil acesso às drogas, o desemprego e a violência pedem intervenções mais amplas e em diversas áreas.
         A dependência química acarreta ou aflora inúmeras consequências negativas ao corpo humano, inclusive as chamadas comorbidades (doenças psiquiátricas associadas), como psicose, paranoia, esquizofrenia, manias, bipolaridade, entre outras. A consequência mais notória é a agressão ao sistema neurológico, provocando problemas cognitivos e, em alguns casos, oscilação de humor.

"HÁ POUCO TEMPO, O ISOLAMENTO DO DOENTE MENTAL EM MANICÔMIOS ERA A REGRA, AFASTANDO O PROBLEMA DOS OLHOS DA SOCIEDADE. COM A LUTA ANTIMANICOMIAL E COM O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE, A INTERNAÇÃO PASSOU A SER EXCEÇÃO."

USUÁRIOS
Quando a situação fática dos mais de 2 milhões de usuários apresenta um cenário degradado e insustentável, lançados na sarjeta à própria sorte, medidas como a internação compulsória ou involuntária podem ser plenamente adotadas dentro de um Estado de Direito em que todos são iguais perante a lei, garantidos o direito à vida e à liberdade. A privação da liberdade de ir e vir faz-se essencial para que se vislumbre alguma possibilidade de devolver dignidade a alguns dependentes químicos, inconscientes e largados à sua própria sorte nas ruas de muitas cidades do País.
Não há que se falar em ofensa ao princípio da dignidade humana, quando nada resta de dignidade à situação dessas pessoas. Não há que se falar em medida higienista – um dos pilares sustentados pelos críticos da política de internação à força –, quando direitos como a vida, a saúde e a dignidade são diuturnamente aviltados fundamentos constitucionais para que o Estado possa tomar medidas que protejam os cidadãos dependentes químicos.
Deve-se, então, ser a favor da internação compulsória, certo? Depende. O debate não deve ser norteado apenas no campo teórico. Somente diante do caso concreto, excepcionalmente e como último recurso, a internação será indicada como uma etapa necessária do processo de reabilitação do adicto.
LEGISLAÇÃO
Há pouco tempo, o isolamento do doente mental em manicômios era a regra, afastando o problema dos olhos da sociedade. Com a luta antimanicomial e com o processo de humanização do sistema de saúde, a internação passou a ser exceção. A regra é possibilitar o tratamento multidisciplinar e a reintegração do usuário de modo inclusivo em uma Rede de Atenção Psicossocial (articulada pelos CAPS), estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos.
A Lei 10.216/2001 dispõe sobre as modalidades de internação (voluntária, involuntária e compulsória) e em todas há necessidade de prévia avaliação multidisciplinar e um laudo médico que justifique a internação. No entanto, mesmo entre os psiquiatras e os profissionais de saúde, é grande a controvérsia sobre quando deve ou não ocorrer a internação à força. Como regra geral, argumenta-se que ela somente é cabível quando se provar que os recursos extra-hospitalares se mostraram insuficientes, ou quando apresente iminente risco à vida do dependente ou de terceiro (como, por exemplo, risco de suicídio, abortamento, portador de esquizofrenia ou outra doença psiquiátrica grave).
Entretanto, mesmo aos favoráveis à medida extrema, uma questão ainda mais complexa surge. A internação compulsória é eficaz?
Os profissionais da saúde possuem a árdua tarefa de provocar uma reflexão no dependente. Se o paciente não estiver disposto ou “convencido” a mudar, qualquer tentativa de auxílio estará fadada ao insucesso. Dessa forma, por meio de técnicas e de uma abordagem multidisciplinar, eles buscam aproximação com o dependente, para a construção conjunta de um objetivo de vida. O norte não é o de parar de usar drogas, mas o de (re)construir sua identidade e seu círculo de referências (familiar, social, profissional), resgatando suas habilidades e qualidades positivas. A interrupção do uso de drogas é uma consequência da reflexão e da apropriação desses valores.

CONTEXTO
 
Portanto, a internação por si só não faz milagres. Ela garante a não utilização de drogas durante algum tempo. Alguém que quer perder certo peso pode optar por uma reeducação alimentar e um novo modo de vida saudável, ou pode simplesmente “internar-se” em um spa: no primeiro dia de liberdade, voltará imediatamente a comer comidas extremamente gordurosas, com excesso de sódio, e adotará todos os maus hábitos anteriores. Com a internação, dá-se o mesmo: trata-se de uma “UTI” durante a qual será traçado o plano terapêutico individual do paciente e se buscará sua reflexão.
LEGISLAÇÃO
A Lei Federal 10.216/2001 regulamentou as mudanças para a Saúde Mental no Brasil. A principal alteração foi a implantação de uma rede de atenção com equipamentos comunitários, os chamados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “Esta lei é o Estado reconhecendo que não se pode isolar um problema achando que ele será resolvido. A loucura não deve ser escondida porque não é um problema”, explica o psicólogo Bruno Jardini Mader, conselheiro do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR).
Contudo, os cuidados não recaem somente no paciente, sendo sua família um elo fundamental em seu processo de reabilitação. Na dependência, a família também adoece e seus membros passam a ter diversos mecanismos de defesa (justificativas no meio social, negação/minimização da dependência, entre outros). Sem saber, alguns familiares passam a atuar como facilitadores, pois suas personalidades e características se potencializam diante dos danos causados pela doença. Por exemplo, aquele que possui o papel do herói, sempre faz tudo e resolve os problemas de todos, não percebe que está facilitando o agravamento da dependência ao pagar as contas e resolver determinadas pendências do dependente.
Há a necessidade também de se agregar outros recursos de tratamento, como, por exemplo, as comunidades terapêuticas, mas cuja falta de regulamentação e de fiscalização dessa atividade ocasiona a abertura de alguns locais com natureza de verdadeiro presídio, sem as mais básicas regras de saúde e higiene. Não há uma regulamentação para um trabalho em rede com os serviços de saúde e de reinserção socioassistencial, em um sistema de referência e contrarreferência, justamente uma medida imprescindível se considerarmos que muitos dependentes sofrem de comorbidades e, nas comunidades, não há recursos médicos como regra geral. As entidades de autoajuda (AA, NA, Pastoral da Sobriedade, Amor Exigente e outras) poderiam ser outro excelente recurso para usuários e familiares, que prestam um valioso serviço para sua reflexão e seu comprometimento para a reorganização de sua vida.
A almejada reflexão não se limita ao usuário; cabe também à sociedade em geral e ao Poder Público. Quanto ao nosso sistema de justiça, por exemplo, usuários de drogas figuram em milhares de processos cíveis e criminais em todo o País, sem que lhe seja possibilitado um desburocratizado tratamento em rede ou sua prevenção. Todos os problemas sociais deságuam na Justiça, mas nosso processo cível e criminal é pensado para resolver somente o litígio em si, e não a sua verdadeira causa (no caso, a dependência). É necessário somar esforços conjuntos para, por exemplo, evitar que um usuário inicial se transforme em um dependente.
A sociedade, por outro lado, também possui mais semelhanças com dependentes químicos do que podemos imaginar. Após a metade do século 20, com a produção em massa, os recursos tecnológicos e a potencialização do consumo, nosso conceito de felicidade passou a ser a pura satisfação de nossas vontades. Desaprendemos o nosso pensamento comunitário para nos dedicarmos a todo custo à conquista de nossas vontades (sejam elas bens de consumo ou não). O dependente químico nada mais é do que a expressão máxima deste conceito de felicidade: “preciso ser feliz a todo custo, não posso deixar de ter tudo, não posso passar vontade (…)”.
A saúde integral é dever do Estado e, nesse contexto, não há situação da qual ele possa se furtar. A dependência de drogas é um problema que atinge todos nós, direta ou indiretamente. Chegamos a um estado de alerta no qual apenas criticar, cruzar os braços ou fechar os olhos já não é mais possível. Somente com ação e com um trabalho conjunto e integrado corrigiremos os rumos da sociedade.

* SANDRA FRANCO é sócia-diretora da Sfranco Consultoria Jurídica em Direito Médico e da Saúde do Vale do Paraíba (SP), especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB/SP e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde (ABDMS).





sexta-feira, 19 de julho de 2013

Teoria e Técnica cognitiva aplicada à Dependência Química




 A TC é uma abordagem estruturada ou semiestruturada, diretiva, ativa e de prazo limitado. Ela se fundamenta na racionalidade teórica de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são, em grande parte, determinados pelo modo como ele estrutura o mundo. Neste sentido, mais importante do que a situação real, é a avaliação que o indivíduo faz a respeito dela. Uma mesma situação pode, portanto, desencadear diferentes emoções (tristeza, raiva, ansiedade, etc). Por exemplo, imaginemos um indivíduo que chega à garagem do seu prédio e percebe que esqueceu as chaves do carro no apartamento. Ele pode avaliar esta situação de várias maneiras. Exemplifiquemos duas: 1) ao perceber que está sem as chaves, ele pode pensar que é uma pessoa "azarada" e que seu dia começara ruim; a emoção que acompanha essa avaliação é tristeza e desânimo. Com este sentimento, seu desempenho no trabalho tende a ser baixo. 2) ele pode, ao contrário, pensar que, se subir ao apartamento para pegar as chaves, vai se atrasar. A emoção que ocorre neste caso é ansiedade. Ele chega ao trabalho tão ansioso que não consegue seguir a programação do dia: seu desempenho também cai.
      O objetivo da TC é reestruturar as cognições disfuncionais e dar flexibilidade cognitiva no momento de avaliar situações específicas. Como a exemplificada acima. A TC visa à resolução de problemas focais, objetivando, em ultima análise, dotar o paciente de estratégias cognitivas para perceber e responder ao real de forma funcional.
      A TC contrasta com a BT por dar maior ênfase às experiências internas (pensamentos, sentimentos, desejos). O terapeuta cognitivo formula as ideias e crenças disfuncionais do paciente sobre si, sobre suas experiências e sobre seu futuro em hipóteses e, então, testa a validade dessas hipóteses de uma forma objetiva e sistemática.
Os pilares conceituais da prática de TC são os seguintes:

Esquemas e Crenças Básicas 

    Os Esquemas são estruturas psíquicas que contêm avaliações firmemente estabelecidas. O Esquema, se traduzido em palavras, forma criações hipotéticas chamadas de Crenças Básicas. As Crenças Básicas, quando disfuncionais, caracterizam-se por serem irracionais, supergeneralizadas e rígidas. Levam a sofrimento psíquico e comportamentos mal adaptados, além de impedirem a realização de metas. O Quadro I mostra alguns exemplos de Esquemas Cognitivos disfuncionais e suas respectivas Crenças Básicas. 


Quadro I – Exemplos de esquemas Cognitivos disfuncionais e suas Crenças Básicas      


Esquema – Disnfuncional
Crença Basica
Incapacidade (nível primário)
“sou incapaz fisicamente, intelectualmente, profissionalmente, etc.”
Inadequação (nível primário)
“sou feio, chato, faço tudo errado, me visto mal, não sei falar, não sei me vestir de maneira correta, etc.”
Baixa Estima (nível primário)
“Não sou uma pessoa que pode ser amada, não sou amado, sou rejeitado pelos outros”
Vulnerabilidade (nível primário)
“o mundo real é ameaçador e eu não tenho recursos para lidar com isso ou confrontá-lo”



    Segundo Beck, as Crenças Básicas disfuncionais podem ser classificadas em dois tipos: 1) Crenças de Desamparo e 2) Crenças de "Não ser querido". O Quadro II exemplifica as crenças mais frequentes na clínica e as classifica nestas duas categorias.


Quadro II – Exemplos de Crenças Centrais Disfuncionais segundo categoria: de Desamparo e de “Não ser Querido”.


Crenças Centrais de Desamparo
Crenças Centrais de “Não ser querido”
- Não tenho saída
- Não tenho valor
- Eu sou inadequado
- Não sou alguém que possa ser amado
- Eu sou Fraco e desamparado
- Sou indesejado
- Eu sou um fracasso
- Não sou atraente
- Eu sou pior do que todas as        outras pessoas (não tenho sorte)
- Sou mau, portanto posso ser abandonado
- Eu sou inadequado
- Eu realmente estou condenado a ficar sozinho
- Eu sou ineficiente

- Eu sou imcopetente

- Eu nunca vou conquistar ninguém

- As pessoas não se importam comigo



Pensamentos automáticos


      As Crenças Centrais Básicas são avaliações genéricas sobre si mesmo, sobre o outro e sobre a relação com o mundo que o cerca. Na maioria das vezes, tais crenças não são conhecidas e claras para o indivíduo (são inconsciente), mas, sob determinadas circunstâncias, influenciam a percepção sobre as coisas e é expressa como pensamento automático, específico a uma situação. Os pensamentos automáticos derivam de um "erro" cognitivo e têm íntima relação com as crenças. O Quadro III exemplifica alguns erros cognitivos e pensamentos a eles associados.


Quadro III – Erros Cognitivos e seus correspondentes pensamentos automáticos.


Erros Cognitivos
Pensamentos (Cognições)
“Catastrofizar”
“O pior certamente ocorrerá e não há mais o que fazer
“Tudo ou nada”
“Já que não conseguirei fazer esse trabalho com perfeição, não vou nem começar
“Generalização”
  “Eu nunca faço nada certo mesmo”
“Abstração Seletiva”
“Hoje o meu dia foi problema”
“Julgamentos Globais”
“Cometi outro erro. Sou inútil”

Estratégia compensatória 


    São comportamentos que visam aliviar ou anular os pensamentos automáticos e emoções negativas. Por exemplo, imaginemos um paciente músico, diante de uma situação na qual vai se apresentar publicamente. Ocorre-lhe um pensamento: "Vou errar". Lembrando que o pensamento automático é uma constatação inflexível, o paciente sente-se triste, com medo e ansioso. Ele, então, faz uma suposição: "se eu beber conseguirei ficar menos ansioso e poderei me apresentar". Pede uma bebida alcoólica e bebe. O comportamento de busca e ingestão do álcool é um exemplo de Estratégia Compensatória.
Poderíamos nos perguntar: por que esse conjunto de cognições ocorreu? Uma explicação possível seria a seguinte: o fato de ser exposto a essa situação ativou, neste paciente, um Esquema disfuncional que, em palavras, seria: "Sou inadequado"; "Sou incapaz". A partir desta ativação, desencadeou-se todo o processo cognitivo descrito.
O terapeuta cognitivo chega a hipóteses semelhantes à descrita acima ao longo do processo terapêutico. Ele vai testando, reconstruindo suas hipóteses e se aproximando da Estrutura Cognitiva do paciente. Essa construção da hipótese cognitiva global é chamada de Conceituação Cognitiva, cujo conceito segue abaixo.


Conceituação Cognitiva


     A Conceituação Cognitiva é uma hipótese sobre pensamentos, suposições, emoções e crenças do paciente. Ela pode ser reformulada no decorrer da terapia, à medida que novas informações e evidências vão se reunindo.

Formulação da hipótese de Conceituação Cognitiva


Tentemos, através da analise da Figura I, entender como o terapeuta cognitivo constrói a hipótese da Conceituação Cognitiva.







As experiências de vida precoce podem influenciar o desenvolvimento de uma Crença Básica disfuncional. Imaginemos o seguinte exemplo: um paciente com diagnóstico de Uso Nocivo do Álcool e Episódio Depressivo relata, em sua história infantil, que o pai era extremamente crítico, desvalorizava o que ele fazia e o comparava com o irmão mais velho o tempo todo. O paciente, no plano inconsciente, começa a formular, através destas e outras experiências, uma hipótese sobre si mesmo (sua auto eficácia, sua condição de ser querido, etc.), formando os Esquemas. Essa avaliação sobre si mesmo, em palavras, compõe a Crença Básica. Por exemplo, constroem-se algumas crenças, tais como "não sei fazer nada certo", "meu pai não gosta de mim", "não sou uma pessoa querida". A partir da crença, o paciente faz algumas suposições. Por exemplo: "não sou querido porque não faço nada certo, logo, se eu me esforçar muito, eu conseguirei fazer algo bem feito e, se nunca errar, meu pai gostará de mim". Essas suposições influenciarão, inevitavelmente, o seu comportamento. Diante de situações específicas, essas crenças e suposições serão ativadas e ele desenvolverá padrões comportamentais denominados de Estratégias Compensatórias. As Estratégias Compensatórias visam aliviar a aflitiva Crença Básica. Diversas situações de vida podem ativar a mesma Crença Básica. Entretanto, para cada situação, o comportamento pode variar. Observemos o exemplo:

O paciente que apresentamos acima pode ser exposto a duas situações distintas. 

- Situação 1: após a aula, ele está deitado, sozinho, no seu quarto, refletindo sobre seu desempenho acadêmico. Ocorre-lhe, então, um pensamento automático: "sou o pior aluno". A este pensamento ele atribui um significado: "Eu sou incapaz". A emoção que decorre dessa cognição é tristeza e uma sensação vívida de fracasso. Então, ele decide parar de estudar. Observemos que, de forma genérica, a situação ativou um Esquema de Incapacidade que fora construído ao longo da vida do paciente, através de sua história infantil e experiências precoces. O Esquema influencia a formulação de pensamentos que sejam compatíveis com o seu conteúdo. Para um conteúdo de Incapacidade, o pensamento é "sou o pior". Este, por sua vez, influencia a emoção, que mantém coerência com o pensamento e Esquema. O paciente, então, sente-se triste e seu comportamento é abandonar a escola. Observemos que o comportamento "abandonar a escola" é uma Estratégia Compensatória de fuga para aliviar o Esquema de Incapacidade.


- Situação 2: Ao estudar um texto sobre gramática, o paciente acha o conteúdo difícil e percebe que precisa ler o texto outra vez e pensa: "vou perder a tarde por culpa deste professor que me exigiu estudar gramática" e "eu não sou inteligente o suficiente para aprender isso". A emoção evocada é irritação e tristeza. Ele fecha o livro e vai beber. Neste exemplo, a situação ativou Esquemas de Vulnerabilidade e Incapacidade. O comportamento de fechar o livro e beber foi uma Estratégia Compensatória que o auxiliará a lidar com os Esquemas ativados.
Observando a Figura II, notamos que, ao ter contato com a droga, o paciente desenvolve um outro grupo de crenças relacionadas à situação "usar droga". As crenças relacionadas à droga mantêm uma relação coerente com as Crenças Básicas de caráter mais genérico. Assim, o modelo cognitivo postula que a dependência é resultado da interação entre o contato inicial com a droga e as cognições que se formarão por influência das Crenças Básicas. Não são, portanto, todas as pessoas que, ao ter contato com a droga, desenvolverão dependência.



      As crenças relacionadas às drogas são de duas naturezas: 1) facilitadoras e 2) de expectativas positivas. O paciente, ao avaliar sua situação de estudante como muito árdua, começa a pensar que "merece" descontrair-se no bar durante o período da tarde; que beber "melhora o estresse"; e que vai ser "agradável a conversa com os amigos". Estas crenças são suficientes para eliciar pensamentos automáticos como "vou beber" e desencadear a fissura. Outras crenças, agora na vigência da fissura, aparecem: são Crenças Facilitadoras. Por exemplo, "não consigo suportar a vontade"; "só há um modo de melhorar essa vontade: usar!". Esse conjunto de cognições impulsiona o paciente ao uso, fechando um ciclo cognitivo para o uso continuado da droga. 

Créditos do texto acima

Revista Brasileira de Psiquiatria

Print version ISSN 1516-4446

Rev. Bras. Psiquiatr. vol.26  suppl.1 São Paulo May 2004

http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462004000500009 

 Bibliografia

1 - Serra AM. Apostila do Curso de Especialização em Terapia Cognitiva do Instituto de Terapia Cognitiva / Associação Brasileira de Psicoterapia Cognitiva (ABPC). São Paulo: ITC; 2004

2 - Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Terapia Cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997. 

3 - Blackburn IM. Depressão em pacientes hospitalizados. In: Scott J, William JMG, Beck AT, col. editors. Terapia Cognitiva na prática clínica. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994. p. 1-30.

4 - Beck JS. Terapia Cognitiva teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.

5 - Monti PM, Rohsenow DJ. Coping-Skills Training and Cue-Exposure Therapy in the Treatment of alcoholism. Alcohol Research & Health, 1999;(23):107-15.

6 - Daley CD, Marlatt AG. Relapse Prevention. In: Lowinson JH, Ruiz P, Millman RB, Langrod JG, editors. Sustance Abuse. A Comprehensive Textbook. 3rd ed. New York: Williams & Wilkins; 1997. p. 458-67

O elo entre a Teoria Cognitiva e a Teoria Comportamental



Por Marcus Vinícius Santos
Psicólogo
      Pela teoria cognitiva, a dependência química resulta de uma interação complexa entre cognições (pensamentos, crenças, ideias, esquemas, valores, opiniões, expectativas e suposições); comportamentos; emoções; relacionamentos familiares e sociais; influências culturais; e processos biológicos e fisiológicos. A TC, obviamente, focaliza primordialmente os processos cognitivos. Estes, por sua vez, interagem com os sistemas emocionais, ambientais e fisiológicos, determinando se uma pessoa terá maior ou menor probabilidade de ser dependente.

        A prática clínica da TC prescinde da teoria. Assim, a TC pode ser considerada a aplicação da teoria cognitiva de psicopatologia a um caso individual. Ela relaciona os vários transtornos psiquiátricos a variáveis cognitivas específicas e se fundamenta em diversos princípios formais e abrangentes. Na teoria da TC, a natureza e a função do processamento de informação e de atribuição de significados aos acontecimentos da realidade constituem a chave para entender o comportamento mal adaptado.

          A teoria comportamental da dependência química tem seu foco nas teorias do aprendizado social (condicionamento clássico, aprendizagem instrumental e modelagem), que será detalhado mais adiante. Entretanto, cognições e comportamentos têm intima relação. A teoria cognitiva tem como uma de suas premissas básicas o fato de que a cognição tem primazia sobre a emoção e sobre o comportamento. Em outras palavras, para a teoria cognitiva, mais importante que a situação real são as cognições associadas a elas. São as avaliações atribuídas à situação específica que influenciam as emoções e os comportamentos. Além disso, no processo terapêutico, as mudanças cognitivas precedem as mudanças emocionais e comportamentais.

        Embora haja significativas diferenças entre a teoria cognitiva e a teoria comportamental, tem sido debatido, ultimamente, que a teoria cognitiva constitui-se como unificadora para a psicoterapia e para a psicopatologia. A TC utiliza um conjunto de técnicas dentro do enquadre do modelo cognitivo da psicopatologia, mas utiliza também técnicas derivadas dos modelos comportamentais. Dada esta complexa relação, recomendamos que a Terapia Cognitiva, a Terapia Comportamental e, principalmente, a combinação delas, sejam aplicadas por profissionais devidamente treinados, com formação e que dominem o conhecimento teórico. Já a Prevenção de Recaída e o Treinamento de Habilidade não consistem formalmente num modelo de terapia. A PR e o TH assentam-se nas teorias cognitivas e comportamentais e sua aplicação clínica baseia-se em técnicas mais aprimoradas para o comportamento de uso de drogas. Portanto, a PR e o TH são ideais para serem utilizados pelos psiquiatras gerais, com treinamento adequado, sem a necessidade da formação nem das supervisões recomendadas por Beck, no caso da TC e TCC.

Bibliografia

1 - Beck AT, Alford BA. O poder integrador da Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000.

2 - Alford EA, Nocross JC. Cognitive Therapy as integrative therapy. Journal of Psychotherapy integrations; 1991;1(3):175-90.

3 - Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Terapia Cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.

4 - Liese BS, Beck AT, Seaton K. The Cognitive Therapy Addictions Group. In: DW Brook & HI, editors Spitz. Group Psychotherapy of Substance Abuse. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1999.

5 - Liese BS, Franz RA. Treating substance use disorders with Cognitive Therapy: lessons learned and implications for the future. In: Salkowski P. Frontiers of Coginitive Therapy. editors. New York: Guilford Press; 1996. p. 470-508.

6 - Beck AT, et al. Cognitive Therapy of Substance Abuse. New York - London: Guilford Press; 1993.

7 - Beck AT, Wright FD, Newman CF, Leise BS. Cognitive Therapy of Substance Abuse. New York: Guilford Press; 1993.