A
TC é uma abordagem estruturada ou semiestruturada, diretiva, ativa e de prazo
limitado. Ela se fundamenta na racionalidade teórica de que o afeto e o
comportamento de um indivíduo são, em grande parte, determinados pelo modo como
ele estrutura o mundo. Neste sentido, mais importante do que a situação real, é
a avaliação que o indivíduo faz a respeito dela. Uma mesma situação pode,
portanto, desencadear diferentes emoções (tristeza, raiva, ansiedade, etc). Por
exemplo, imaginemos um indivíduo que chega à garagem do seu prédio e percebe
que esqueceu as chaves do carro no apartamento. Ele pode avaliar esta situação de
várias maneiras. Exemplifiquemos duas: 1) ao perceber que está sem as chaves,
ele pode pensar que é uma pessoa "azarada" e que seu dia começara
ruim; a emoção que acompanha essa avaliação é tristeza e desânimo. Com este
sentimento, seu desempenho no trabalho tende a ser baixo. 2) ele pode, ao
contrário, pensar que, se subir ao apartamento para pegar as chaves, vai se
atrasar. A emoção que ocorre neste caso é ansiedade. Ele chega ao trabalho tão
ansioso que não consegue seguir a programação do dia: seu desempenho também
cai.
O
objetivo da TC é reestruturar as cognições disfuncionais e dar flexibilidade
cognitiva no momento de avaliar situações específicas. Como a exemplificada
acima. A TC visa à resolução de problemas focais, objetivando, em ultima análise,
dotar o paciente de estratégias cognitivas para perceber e responder ao real de
forma funcional.
A
TC contrasta com a BT por dar maior ênfase às experiências internas
(pensamentos, sentimentos, desejos). O terapeuta cognitivo formula as ideias e
crenças disfuncionais do paciente sobre si, sobre suas experiências e sobre seu
futuro em hipóteses e, então, testa a validade dessas hipóteses de uma forma
objetiva e sistemática.
Os
pilares conceituais da prática de TC são os seguintes:
Esquemas e Crenças Básicas
Os
Esquemas são estruturas psíquicas que contêm avaliações firmemente
estabelecidas. O Esquema, se traduzido em palavras, forma criações hipotéticas
chamadas de Crenças Básicas. As Crenças Básicas, quando disfuncionais,
caracterizam-se por serem irracionais, supergeneralizadas e rígidas. Levam a
sofrimento psíquico e comportamentos mal adaptados, além de impedirem a
realização de metas. O Quadro I mostra alguns exemplos de Esquemas Cognitivos
disfuncionais e suas respectivas Crenças Básicas.
Quadro I – Exemplos de esquemas Cognitivos
disfuncionais e suas Crenças Básicas
Esquema – Disnfuncional
|
Crença Basica
|
Incapacidade
(nível primário)
|
“sou
incapaz fisicamente, intelectualmente, profissionalmente, etc.”
|
Inadequação
(nível primário)
|
“sou feio, chato, faço tudo errado, me visto mal, não sei falar, não sei me vestir de maneira correta, etc.” |
Baixa
Estima (nível primário)
|
“Não
sou uma pessoa que pode ser amada, não sou amado, sou rejeitado pelos outros”
|
Vulnerabilidade
(nível primário)
|
“o mundo real é ameaçador e eu não tenho recursos para lidar com isso ou confrontá-lo” |
Segundo
Beck, as Crenças Básicas disfuncionais podem ser classificadas em dois tipos:
1) Crenças de Desamparo e 2) Crenças de "Não ser querido". O Quadro
II exemplifica as crenças mais frequentes na clínica e as classifica nestas
duas categorias.
Quadro II – Exemplos de Crenças Centrais Disfuncionais segundo categoria: de Desamparo e de “Não ser Querido”.
Crenças Centrais de Desamparo
|
Crenças Centrais de “Não ser
querido”
|
- Não tenho saída
|
-
Não tenho valor
|
- Eu sou inadequado
|
- Não sou alguém que possa ser amado |
- Eu sou Fraco e desamparado
|
-
Sou indesejado
|
- Eu sou um fracasso
|
- Não sou atraente |
- Eu sou
pior do que todas as outras
pessoas (não tenho sorte)
|
-
Sou mau, portanto posso ser abandonado
|
- Eu sou inadequado
|
- Eu realmente estou condenado a ficar sozinho |
- Eu sou ineficiente
|
|
- Eu sou imcopetente
|
|
- Eu nunca
vou conquistar ninguém
|
|
- As
pessoas não se importam comigo
|
Pensamentos automáticos
As
Crenças Centrais Básicas são avaliações genéricas sobre si mesmo, sobre o outro
e sobre a relação com o mundo que o cerca. Na maioria das vezes, tais crenças
não são conhecidas e claras para o indivíduo (são inconsciente), mas, sob
determinadas circunstâncias, influenciam a percepção sobre as coisas e é
expressa como pensamento automático, específico a uma situação. Os pensamentos
automáticos derivam de um "erro" cognitivo e têm íntima relação com
as crenças. O Quadro III exemplifica alguns erros cognitivos e pensamentos a
eles associados.
Quadro III – Erros Cognitivos e seus correspondentes pensamentos automáticos.
Erros Cognitivos
|
Pensamentos (Cognições)
|
“Catastrofizar”
|
“O pior certamente ocorrerá e não há
mais o que fazer
|
“Tudo ou nada”
|
“Já que não conseguirei fazer esse trabalho com
perfeição, não vou nem começar
|
“Generalização”
|
“Eu nunca
faço nada certo mesmo”
|
“Abstração Seletiva”
|
“Hoje o meu dia foi só problema” |
“Julgamentos
Globais”
|
“Cometi
outro erro. Sou inútil”
|
Estratégia compensatória
São
comportamentos que visam aliviar ou anular os pensamentos automáticos e emoções
negativas. Por exemplo, imaginemos um paciente músico, diante de uma situação
na qual vai se apresentar publicamente. Ocorre-lhe um pensamento: "Vou
errar". Lembrando que o pensamento automático é uma constatação
inflexível, o paciente sente-se triste, com medo e ansioso. Ele, então, faz uma
suposição: "se eu beber conseguirei ficar menos ansioso e poderei me
apresentar". Pede uma bebida alcoólica e bebe. O comportamento de busca e
ingestão do álcool é um exemplo de Estratégia Compensatória.
Poderíamos
nos perguntar: por que esse conjunto de cognições ocorreu? Uma explicação
possível seria a seguinte: o fato de ser exposto a essa situação ativou, neste
paciente, um Esquema disfuncional que, em palavras, seria: "Sou
inadequado"; "Sou incapaz". A partir desta ativação,
desencadeou-se todo o processo cognitivo descrito.
O
terapeuta cognitivo chega a hipóteses semelhantes à descrita acima ao longo do
processo terapêutico. Ele vai testando, reconstruindo suas hipóteses e se
aproximando da Estrutura Cognitiva do paciente. Essa construção da hipótese
cognitiva global é chamada de Conceituação Cognitiva, cujo conceito segue
abaixo.
Conceituação Cognitiva
A
Conceituação Cognitiva é uma hipótese sobre pensamentos, suposições, emoções e
crenças do paciente. Ela pode ser reformulada no decorrer da terapia, à medida
que novas informações e evidências vão se reunindo.
Formulação
da hipótese de Conceituação Cognitiva
Tentemos,
através da analise da Figura I, entender como o terapeuta cognitivo constrói a
hipótese da Conceituação Cognitiva.
As
experiências de vida precoce podem influenciar o desenvolvimento de uma Crença
Básica disfuncional. Imaginemos o seguinte exemplo: um paciente com
diagnóstico de Uso Nocivo do Álcool e Episódio Depressivo relata, em sua
história infantil, que o pai era extremamente crítico, desvalorizava o que ele
fazia e o comparava com o irmão mais velho o tempo todo. O paciente, no plano
inconsciente, começa a formular, através destas e outras experiências, uma
hipótese sobre si mesmo (sua auto eficácia, sua condição de ser querido, etc.),
formando os Esquemas. Essa avaliação sobre si mesmo, em palavras, compõe a
Crença Básica. Por exemplo, constroem-se algumas crenças, tais como "não
sei fazer nada certo", "meu pai não gosta de mim", "não sou
uma pessoa querida". A partir da crença, o paciente faz algumas
suposições. Por exemplo: "não sou querido porque não faço nada certo,
logo, se eu me esforçar muito, eu conseguirei fazer algo bem feito e, se nunca
errar, meu pai gostará de mim". Essas suposições influenciarão,
inevitavelmente, o seu comportamento. Diante de situações específicas, essas
crenças e suposições serão ativadas e ele desenvolverá padrões comportamentais
denominados de Estratégias Compensatórias. As Estratégias Compensatórias visam
aliviar a aflitiva Crença Básica. Diversas situações de vida podem ativar a
mesma Crença Básica. Entretanto, para cada situação, o comportamento pode
variar. Observemos o exemplo:
O
paciente que apresentamos acima pode ser exposto a duas situações distintas.
- Situação 1: após a aula, ele está deitado, sozinho, no
seu quarto, refletindo sobre seu desempenho acadêmico. Ocorre-lhe, então, um
pensamento automático: "sou o pior aluno". A este pensamento ele
atribui um significado: "Eu sou incapaz". A emoção que decorre dessa
cognição é tristeza e uma sensação vívida de fracasso. Então, ele decide parar
de estudar. Observemos que, de forma genérica, a situação ativou um Esquema de
Incapacidade que fora construído ao longo da vida do paciente, através de sua
história infantil e experiências precoces. O Esquema influencia a formulação de
pensamentos que sejam compatíveis com o seu conteúdo. Para um conteúdo de
Incapacidade, o pensamento é "sou o pior". Este, por sua vez,
influencia a emoção, que mantém coerência com o pensamento e Esquema. O
paciente, então, sente-se triste e seu comportamento é abandonar a escola.
Observemos que o comportamento "abandonar a escola" é uma Estratégia
Compensatória de fuga para aliviar o Esquema de Incapacidade.
- Situação 2: Ao estudar um texto sobre gramática, o
paciente acha o conteúdo difícil e percebe que precisa ler o texto outra vez e
pensa: "vou perder a tarde por culpa deste professor que me exigiu estudar
gramática" e "eu não sou inteligente o suficiente para aprender
isso". A emoção evocada é irritação e tristeza. Ele fecha o livro e vai
beber. Neste exemplo, a situação ativou Esquemas de Vulnerabilidade e
Incapacidade. O comportamento de fechar o livro e beber foi uma Estratégia
Compensatória que o auxiliará a lidar com os Esquemas ativados.
Observando
a Figura II,
notamos que, ao ter contato com a droga, o paciente desenvolve um outro grupo
de crenças relacionadas à situação "usar droga". As crenças
relacionadas à droga mantêm uma relação coerente com as Crenças Básicas de
caráter mais genérico. Assim, o modelo cognitivo postula que a dependência é
resultado da interação entre o contato inicial com a droga e as cognições que
se formarão por influência das Crenças Básicas. Não são, portanto, todas as
pessoas que, ao ter contato com a droga, desenvolverão dependência.
As
crenças relacionadas às drogas são de duas naturezas: 1) facilitadoras e 2) de
expectativas positivas. O paciente, ao avaliar sua situação de estudante como
muito árdua, começa a pensar que "merece" descontrair-se no bar
durante o período da tarde; que beber "melhora o estresse"; e que vai
ser "agradável a conversa com os amigos". Estas crenças são
suficientes para eliciar pensamentos automáticos como "vou beber" e
desencadear a fissura. Outras crenças, agora na vigência da fissura, aparecem:
são Crenças Facilitadoras. Por exemplo, "não consigo suportar a
vontade"; "só há um modo de melhorar essa vontade: usar!". Esse
conjunto de cognições impulsiona o paciente ao uso, fechando um ciclo cognitivo
para o uso continuado da droga.
Créditos do texto acima
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